Doutoranda da Universidade de Mohamed I, em Marrocos, Nabila Jebbouri participará do I Seminário Internacional de Patrimônio da Humanidade da Chapada do Araripe e o seu diálogo entre os oásis do sertão e do deserto revela a universalidade da cultura no Cariri cearense.
Nabila Jebbouri chegou no Brasil dia 19 de maio. De Oudja, Marrocos, ela pousou em São Paulo e, em seguida, na região do Cariri, para participar do “I Seminário Internacional de Patrimônio da Humanidade da Chapada do Araripe” que acontecerá entre os dias 6 e 9 de agosto de 2019. O português da pesquisadora em Patrimônio Cultural e Desenvolvimento da Universidade de Mohamed I ainda é pouco, embora a vivência com as crianças da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, tenha feito ela pôr em prática as duas semanas de aula. Uma frase se destaca na pronúncia de Nabila que sentada em uma rede na casa de Alemberg Quindins procura relações culturais entre Marrocos e Cariri: “daqui, eu escuto o vento”.
Das 10 às 12h da manhã, na sexta-feira, dia 9 de agosto, no palco do Teatro Violeta Arraes em Nova Olinda, a pesquisadora irá compor, ao lado de Alemberg Quindins, uma mesa de debates, mediada por Yasmin Pereira, sobre o território mitológico da Chapada do Araripe. A discussão da pesquisadora será sobre a questão do patrimônio e da sustentabilidade do Oásis da cidade Figuig, em Marrocos. A localidade está no eixo extremo do oriente marroquino, próximo ao norte do deserto do Saara, situada no oásis das tamareiras, em referências as palmeiras que cultivam as tâmaras, chamado de Tazdayt.
A partir da relação entre o oásis do sertão do Cariri, na Chapada do Araripe, e o oásis das tamareiras, no deserto do Saara, Nabila veio observar a festa tradicional de São José do Belmonte, em Pernambuco, para perceber a forma com que o legado sebastianista marroquino perpassa a cultura popular regional. A história do fenômeno místico-religioso surge, segundo Lúcia Gaspar, bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco, na segunda metade do século XVI quando surge a crença na insurreição de Dom Sebastião, rei de Portugal que desapareceu na Batalha dos três Reis de Alcácer-Quibir, na África, no dia 4 de agosto de 1578, enquanto chefiava tropas lusitanas.
Ainda que em quase todo território da Europa a batalha seja reconhecida pelo povo de Marrocos, com ênfase nos países de Portugal e da Espanha, Nabila conta que para muitas pessoas de Oudja é impossível pensar que a tradição sebastianista seja repassada no Brasil, principalmente, no sertão de Pernambuco. Como ela explica, a festa atualmente tem uma relação com o desenvolvimento cultural e econômico não só da região, mas como também da Chapada do Araripe. Este será o ponto de partida da palestrante.
“A tragédia que virou festa”: o caminho da Pedra do Reino
No Nordeste brasileiro, o movimento sebastianista se espalha na crença da salvação por meio de melhorias de vida e tem como um dos estopins o território de Pernambuco, na Serra Formosa, em São José do Belmonte, entre 1836 a 1838. O fato é narrado a partir do episódio da “Tragédia da Pedra Bonita”, quando um grupo de fanáticos, liderados por João Antônio dos Santos e, em seguida por João Ferreira, fundam uma espécie de reino encantado no sertão pernambucano.
Os discursos dos líderes proclamavam a existência de um tesouro escondido que apenas Dom Sebastião poderia revelar aonde estava. O movimento chama atenção das autoridades locais e, após as intervenções religiosas católicas do padre Francisco José Correia de Albuquerque, Antônio desiste do reino. Porém, o segundo rei da Pedra Bonita dizia que Dom Sebastião apenas retornaria se a pedra fosse banhada com sangue de pessoas e animais. A culminância do reino termina em um massacre de pessoas em maio de 1838 que tem fim apenas pela invasão do major Manoel Pereira da Silva.
A história é recontada pelo dramaturgo Ariano Suassuna no romance da Pedra do Reino e a tragédia se torna festa, como aborda o pesquisador Ernando Carvalho, como forma de celebrar a arte e a cultura local através do mito e imaginário popular. A tradicional “Festa da Pedra do Reino” celebra a cultura popular em sua 27ª cavalgada no Sertão de Pernambuco. Alemberg Quindins conta que as manifestações religiosas no Cariri vão além das fronteiras portuguesas e entram e contato com as narrativas da África. “O legado do povo do Nordeste tem influência marroquina e esse é o momento de diálogo”, explica sobre o debate proposto pelo evento.
Nabila, ao lado de Alemberg, está com a iniciativa de reproduzir as relações da história oriundas da Batalha dos Três Reis de Marrocos com as narrativas populares de Pernambuco na linguagem de gibi. Com o incentivo do Jornal O Povo, Fortaleza, a história narrada em quadrinhos contará com o trabalho de jovens do Cariri e de Marrocos. No dia 11 de agosto, a pesquisadora marroquina retornará para Oudja. Apesar de estar pela primeira vez no Brasil, ela confessa que o sentimento do Cariri reúne o afeto em laços próprios. “Aqui, tudo é família, o contato com a natureza e o homem, um sentimento bom”.